quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Matar ou Morrer




Certa vez, ao ser entrevistado pelo cineasta Peter Bogdanovich, Orson Welles - o mestre realizador de Cidadão Kane e Touch of Evil - disse que o cinema havia morrido em 1962, e o seu último filme foi O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford. Ao espanto do entrevistador, Welles esclareceu: o cinema teve o seu apogeu dentre 1912 a 1962, e a partir daí o seu perigeu. Não é muito difícil de enxergar isso: o cinema, em vias gerais, perdeu o seu status político e se empobreceu tematicamente. A quantidade de enlatados pasteurizados aumenta cada vez mais, para uma massa que foi habituada a enxergar o cinema como uma simples consequência do ato de ir ao shopping, local ao qual o cinema acabou sendo confinado. O espetáculo cinematográfico se perdeu, e foi reduzido a um entretenimento banal.

Um dos grandes filmes da época clássica do cinema é High Noon, traduzido no Brasil como Matar ou Morrer. Nas palavras de Andre Bazin o western é o cinema americano por excelência, e este é um dos ápices do gênero, marcado por re-inventar a si próprio. A película de Zinnemman trás um Gary Cooper no papel de um xerife que, no dia do seu casamento, recebe a notícia que um bando de bandidos, o qual o seu líder acabou de sair da cadeia, está prestes a invadir a cidade e dar cabo do estrela-de-lata. O homem da lei então tenta recrutar voluntários para defender a cidade, mas ninguém se dispõe. Paráfrase do macartismo, High Noon retrata a coragem individual diante da covardia coletiva. Ao ser indagado sobre a película, o mítico e conservador John Wayne - o maior dos atores de western - disse que foi o filme mais anti-americano que ele já havia assistido.

Ao fugir dos arquétipos do western consolidados desde No Tempo das Diligências, de John Ford, High Noon - um divisor de águas no gênero - substitui o lugar de dominação da ação física pela dimensão psicológica. A conduta moral de cada personagem é descrita, ao passo em que a angústia do xerife perante o passar do tempo vai aumentando. Com esta película, o western humaniza-se, torna-se poético e uma ótima forma de análise de comportamento e da condição humana. Outro fator-chave de High Noon é a rigorosa unidade de tempo, na qual o tempo narrativo é igual ao tempo físico: o tempo em que Gary Cooper espera os outlaws é o mesmo tempo em que o filme transcorre, 88 minutos.

Matar ou Morrer é um dos muitos exemplos que demonstram o quão ruim é o cinema ao qual nos é empurrado pela garganta atualmente. Tanto os pasteurizados de massa, quanto os sonolentos e pretensiosos "filmes cult/de arte" sem timing, que nada se parecem com os grandes mestres autorais, seja Bergman ou Sam Peckinpah.