segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sonetos a Orfeu

3

Um Deus pode! No entanto, dize-me, como
Um homem há de segui-lo pela estreita lira?
O sentido lhe é bifurcação. No cruzamento de dois
Caminhos do coração, nenhum templo se ergue para
Apolo.

Cantar, como tu ensinas, não é cobiça
Nem conquista de algo que por fim se alcança.
Cantar é existir. Para um deus, muito fácil.
Mas nós, quando é que existimos? E quando ele

Faz voltar para nós a terra e as estrelas?
Jovem, amar ainda não é nada, -
Embora a voz te force a boca - aprende

A esquecer que en-cantaste. Isso se apaga.
Na verdade, cantar é um outro sopro.
Um sopro pelo nada. Um vibrar em deus. Um vento.


(Rainer Maria Rilke, em Sonetos a Orfeu/Elegias de Duíno)