sábado, 11 de fevereiro de 2012

Playing With Fire (1989)



O Spacemen 3 foi uma dessas bandas seminais do rock que permanecem esquecidas para o grande público, à exceção daqueles fãs ardorosos e garimpeiros daquele estilo que no Brasil ficou conhecido como "guitar bands", isto é: bandas do final dos anos 80 e começo dos 90, geralmente de gravados independentes, que faziam rock carregado de noise, melodias suaves, vocais sussurados e recheado de guitarras. Tal rótulo englobava desde as bandas britânicas shoegaze, como My Bloody Valentine e Ride, tanto as norte-americanas como os Pixies e o Pavement. Isto é: bandas que ajudaram a popularizar a guitarra no rock indie.

Da Inglaterra, no começo dos anos 80, surgiu o Spacemen 3. Sua música era bem diferente do que estava acontecendo no mundo do rock, antecipando características que foram muito fortes entre as bandas britânicas do começo dos anos 90 (principalmente o Primal Scream, talvez): flertes com o rock psicodélico e letargia. De um lado, nos EUA, o Sonic Youth fazia um noise agressivo influenciado pelo punk nova-iorquino (blank generation) e por música atonal e dissonante; do outro, no Reino Unido, o Jesus and Mary Chain fazia noise com vocais sussurados e melodias suaves que remetiam aos Beach Boys e ao Velvet Underground. O Spacemen 3 fez diferente: trouxe ecos da música psicodélica, flertando com guitarras entupidas de efeitos.

O disco Playing With Fire (1989) é um grande esforço desse trio. Estão lá as guitarras distorcidas, em músicas longas e "viajadas" como "Suicide" (que, por sinal, remete à seminal banda punk nova-iorquina homônima que mesclava com a música eletrônica no final dos anos 70), ou em baladinhas adocicadas como "Lord Can You Hear Me?".

Spacemen 3 é, definitivamente, uma banda que merece ser escutada e retirada do baú do rock independente. Está lá o kraut rock, a psicodelia dos anos 60 e o noise. Para bom entendedor, só essas referências já bastam...

domingo, 5 de junho de 2011

Music for airports, on a rainy sunday


Salvador tem estado constantemente chuvosa desde abril, o que torna os dias, facilmente, melancólicos. O noise feito pelos vizinhos regularmente me irrita, principalmente aos fins de semana, e acabo solucionando a minha irritação indo ao cinema - na maioria das vezes sozinho. Hoje fiz isso, e assisti um documentário sobre a pessoa da foto acima, o Brian Eno. Para quem não sabe, ele foi uma figurinha muito importante na cena musical rockeira dos anos 1970, e ajudou inúmeros músicos importantes, como David Bowie, David Byrne (Talking Heads), Robert Fripp (King Crimson) e John Cale (Velvet Underground).

A música de Eno é incomensurável e inclassificável. Do rock and roll à música ambiental, ele influenciou incontáveis artistas importantes. Neste momento estou ouvindo um dos seus melhores trabalhos, Music for Airports, uma obra-prima lançada na mesma época da trilogia de Berlim do Bowie. É definitivamente uma das melhores coisas que eu poderia estar ouvindo agora. Recomendo para qualquer pessoa que goste de ouvir música boa, pura e simplesmente.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

mimimi that's me, baby

Não que alguém se importe, maaas devo ter sérios problemas: não tenho vida social, me relaciono mais com pessoas de outros estados do que com gente da minha cidade, não tenho grupinho de amigos - hoje, na verdade, nem faço questão de um - e acabo sempre sendo outsider em qualquer coisa que o valha. Certa vez, em tom depreciativo, uma garota me disse que eu só falava em música. Numa outra vez, um amigo me disse que minhas conversas começavam assim: "porque o Pixies...", ou algo que o valha. Veja bem.

Há alguns vários anos, inconscientemente resolvi me acostumar a ficar no meu quarto. Li um livro que acredito ter a capacidade de mexer bastante com quem o lê, como foi o meu caso: "O Estrangeiro", de Albert Camus, definitivamente uma obra perturbadora e melancólica sobre a indiferença e a existência, que nos leva a refletir sobre o que é a vida. Meursault, protagonista, nos faz encarar a solidão, a sociedade e a visão de mundo que levamos. A partir daí, muitas outras leituras e vivências viriam a ser fundamentais na minha formação enquanto pessoa, e na minha perspectiva de futuro. O cinema, a música e a literatura - incluso quadrinhos - foram companheiros inabaláveis ao decorrer da minha adolescência, importantes na minha vida nestes últimos 7 anos.

Por algum tempo, enquanto gente da minha idade saía de casa pra ir, sei lá, comer Mc Donald's no shopping, eu ficava em casa numa sede insaciável de conhecer músicas novas, assistir milhares de filmes, ler incontáveis livros. A minha vida se resumiu basicamente a isso até três anos atrás, quando resolvi começar a sair de casa e ter vida social. Acredito que extremismos nunca são saudáveis, e o melhor é ir pelo "caminho do meio", evitando tanto a reclusão máxima, quanto a vida social desregulada. Uma dosagem correta é fundamental para uma boa vivência, penso eu hoje em dia.

Não tenho vergonha do que fui. E nem do que sou, tampouco do que serei. A arte, em especial a música, para mim nunca foi apenas um produto a ser consumido, como infelizmente é no senso comum. Sempre foi uma forma de leitura, representação e reflexão do mundo, das nossas vidas, dos nossos cotidianos. A arte contesta, perturba, comove, alegra, sublima. A música nos faz ouvir um disco dos Smiths e enxergarmos toda a nossa vida nele. A música nos faz ouvir as canções de amor do Lou Reed e nos lembrar dos amores que tínhamos, temos ou teremos. A música me faz ouvir Wish You Were Here e me transportar através dos anos. A música nos faz sonhar. A música nos salva.

Por isso, se algum dia ouvir novamente alguém dizer que sempre estou falando sobre música (ou quadrinhos, ou filmes, ou livros), responderei com um sincero e sereno sorriso, porque é isso o que me define como ser-no-mundo. Que bom que eu sempre falo em música. Ainda bem.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Television - The Blow-Up



Sempre fico indignado quando ouço alguém dizer que o Punk começou na Inglaterra com os Sex Pistols (?), ou que a estética punk era apenas simplicidade musical e falta de técnica. É preciso voltar a fita um pouco antes, para a cidade de New York, onde o Punk começou a tomar forma.

Muitos músicos jovens da época, e amantes de rock, mudaram-se para New York em busca das suas aspirações artísticas, vendo na Big Apple uma oportunidade em meio a uma cena efervescente que ali se formava. Nos anos 60 um estudante de Literatura da Universidade de Syracuse chamado Lou Reed encontrou um músico emergente da música erudita, e tocador de viola, John Cale. Juntos, formaram a base do Velvet Underground: Lou Reed e a sua sensibilidade pop, aliada à capacidade de transformar as ruas de New York em poesia, e John Cale, responsável pela musicalidade contestadora e avant-garde dos dois primeiros discos da banda. Esse pode ter sido o começo de tudo...

De 1967, data de lançamento do famoso disco da banana, até a metade dos anos 70, muita coisa aconteceu: o rock sessentista começava a desaparecer, os ídolos do Woodstock morriam de overdose, a fatídica morte de um garoto no Gimme Shelter dos Stones em 1969, e o fim dos Beatles. Na Inglaterra ascendia o rock progressivo, e os Estados Unidos viviam a ressaca do que fora a década passada. A cena artística nova-iorquina acabou culminando numa geração que na metade dos anos 70 foi responsável por abalar as estruturas do rock, podendo-se citar: os Dead Boys, oriundos de Cleveland, que traziam niilismo e agressividade, os garotos pobres dos Ramones que mostravam que qualquer um podia tocar rock, e a poeta Patti Smith, que trouxe uma importante liderança feminista aliada à influência beatnik. Outra dessas bandas importantes foi o Television.

O Television teve um importante papel na organização da cena de New York à época, e foram uns dos primeiros a tocarem na lendária casa de shows CBGB. A bateria jazzística de Billy Ficca aliada à impressionante habilidade na guitarra de Tom Verlaine foram responsáveis por cativar muitos seguidores, e, dentre uma das primeiras pessoas a assistirem a banda, estava Patti Smith, que conta que a sua primeira visão de Tom Verlaine no palco a marcou pelo resto da vida. O disco Marquee Moon foi o olho do furacão, e o registro ao vivo Blow-Up é um importante meio para perceber a energia da banda no palco, com versões de 14 minutos para "Marquee Moon", "Little Johnny Jewel" e até mesmo um cover de quase 8 minutos de "Knockin' on Heaven's Door" do Dylan, muito antes do Guns and Roses. Solos de guitarra, baixo pulsante e bateria fantástica fazem parte deste disco, retrato de uma importante e produtiva fase da música rock.

Discaço.

domingo, 19 de dezembro de 2010




Não precisa dizer mais nada. Jefferson Airplane é foda.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Hey hey, my my rock and roll can never die



Muito já se escreveu sobre os Beatles, e sobre o John Lennon. Hoje, 8 de dezembro, é o dia em que 30 anos são feitos sem o beatle mais velho, o dia em que a música (não) morreu, assassinada. Em tempos nos quais o rock and roll tem sido tristemente banalizado e meramente vendido como uma tentativa de cópia muito mal-feita, é pertinente relembrar daquele jovem rebelde de Liverpool que ajudou a mudar o rumo da música, e influenciou várias gerações de jovens, alguns que hoje já estão na casa dos 60 anos de idade. É preciso haver mais músicos de rock como John Lennon: cínicos, inteligentes, profundos e verdadeiros. Como diz a música do Beto Guedes: minha estrela amiga, por que você não fez a bala parar?

Hoje não deve ser um dia em que se lamente por 30 anos sem John Lennon; e sim um dia em que se comemore que o rock não foi findado, que a boa música persiste, e que ideais sinceros prevalecem, enquanto as coisas vazias desmancham no ar e são deixadas para trás, mesmo depois de 30 anos. É um dia para lembrarmos que o rock remanesce, com sua incrível capacidade de resiliência, mesmo que agonize em tempos tão vazios.


The king is gone, but he's not forgotten
Hey hey, my my
Rock and roll can never die

(Neil Young)

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Matar ou Morrer




Certa vez, ao ser entrevistado pelo cineasta Peter Bogdanovich, Orson Welles - o mestre realizador de Cidadão Kane e Touch of Evil - disse que o cinema havia morrido em 1962, e o seu último filme foi O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford. Ao espanto do entrevistador, Welles esclareceu: o cinema teve o seu apogeu dentre 1912 a 1962, e a partir daí o seu perigeu. Não é muito difícil de enxergar isso: o cinema, em vias gerais, perdeu o seu status político e se empobreceu tematicamente. A quantidade de enlatados pasteurizados aumenta cada vez mais, para uma massa que foi habituada a enxergar o cinema como uma simples consequência do ato de ir ao shopping, local ao qual o cinema acabou sendo confinado. O espetáculo cinematográfico se perdeu, e foi reduzido a um entretenimento banal.

Um dos grandes filmes da época clássica do cinema é High Noon, traduzido no Brasil como Matar ou Morrer. Nas palavras de Andre Bazin o western é o cinema americano por excelência, e este é um dos ápices do gênero, marcado por re-inventar a si próprio. A película de Zinnemman trás um Gary Cooper no papel de um xerife que, no dia do seu casamento, recebe a notícia que um bando de bandidos, o qual o seu líder acabou de sair da cadeia, está prestes a invadir a cidade e dar cabo do estrela-de-lata. O homem da lei então tenta recrutar voluntários para defender a cidade, mas ninguém se dispõe. Paráfrase do macartismo, High Noon retrata a coragem individual diante da covardia coletiva. Ao ser indagado sobre a película, o mítico e conservador John Wayne - o maior dos atores de western - disse que foi o filme mais anti-americano que ele já havia assistido.

Ao fugir dos arquétipos do western consolidados desde No Tempo das Diligências, de John Ford, High Noon - um divisor de águas no gênero - substitui o lugar de dominação da ação física pela dimensão psicológica. A conduta moral de cada personagem é descrita, ao passo em que a angústia do xerife perante o passar do tempo vai aumentando. Com esta película, o western humaniza-se, torna-se poético e uma ótima forma de análise de comportamento e da condição humana. Outro fator-chave de High Noon é a rigorosa unidade de tempo, na qual o tempo narrativo é igual ao tempo físico: o tempo em que Gary Cooper espera os outlaws é o mesmo tempo em que o filme transcorre, 88 minutos.

Matar ou Morrer é um dos muitos exemplos que demonstram o quão ruim é o cinema ao qual nos é empurrado pela garganta atualmente. Tanto os pasteurizados de massa, quanto os sonolentos e pretensiosos "filmes cult/de arte" sem timing, que nada se parecem com os grandes mestres autorais, seja Bergman ou Sam Peckinpah.