quinta-feira, 8 de outubro de 2009

o "bom e velho rock and roll" desconstruído


Volta e meia ouço sempre falar em "bom e velho rock and roll", geralmente um chavão de gente que não ouve bandas que foram formadas após 1975. Eu amo as bandas dessa época, e foi também a década em que o rock mais se "definiu", mas nem por isso fico com uma mentalidade anacrônica, com clássicos chavões como "hoje em dia o rock é uma merda", "o rock morreu", ou até pensamentos mais radicais, como o do patrimônio cultural Chico Buarque, que afirmou que "a canção morreu".

Nada disso. O rock, e a canção (a forma máxima do rock and roll), continuam muito vivos. Por mais que as mudanças de mercado, a globalização, o capitalismo e as suas contradições tenham possibilitado a disseminação de muita informação ruim, isso inclui música também - como muitas que estouram em grandes mídias -, a nossa querida e amada música rock continua viva, mesmo com todas as suas declarações de óbito ao longo dos anos.



Os anos 80, ao contrário do que os anacrônicos auto-intitulados "rockers" e defensores do "verdadeiro rock" pensam, trouxeram muita coisa boa. A herança do Joy Division, daquele finzinho dos 70's, trouxe muitas coisas de grande valor nos anos 80: Bauhaus, Echo and the Bunnymen, Cure ou Siouxsie and the Banshees, só para citar alguns 'blockbusters' que costuma-se chamar de gothic. E não foram só eles: da mesma Manchester de Ian Curtis, os Smiths disseram muitas coisas (provocando Thatcher) em seus belos vocais arrastados e guitarras limpas dedilhadas, com uma sonoridade própria, trazendo influências desde o rockabilly à Blank Generation de New York. E a distorção também estava presente: do outro lado do Atlântico, o Sonic Youth fazia uma música própria, com bastante distorção e vocais lacônicos, fazendo um rock and roll totalmente diferente do que os fãs do Led Zeppelin (banda mais-que-amada deste que vos escreve) ouviam até então. Os escoceses do Jesus and Mary Chain também faziam um som próprio com muita distorção, influenciados pelos deuses do Velvet Underground, misturando melodias suaves com guitarras sujas. Talking Heads também foi outra banda genial, fazendo um som louco e dançante. A sua música "Psycho Killer" introduz um baixo marcando os passos de uma nova era marcada pelo neoliberalismo. Dessa época também foi o "college rock", bandas que ficaram famosas por tocarem em rádios de universidade, como os geniais Pixies ou R.E.M. E não só em inglês o rock nos anos 80 foi excelente, tivemos no Brasil a poesia de Cazuza com o Barão Vermelho e a rebeldia dos Titãs, proliferando diversos clássicos, como "Bete Balanço" ou "Bichos Escrotos".

E isso foi "só" os anos 80, a "década perdida". Imagina então os anos 90? Consumismo, consumismo e consumismo. A maior expressão do rock nos nineteens, quer gostem, quer não, veio de uma cidade isolada na maior potência mundial, uma cidade no extremo noroeste dos EUA. Sim, Seattle é o nome.



O grunge, com influências como o proto-punk dos Stooges, o Black Sabbath,a Blank Generation, e todas as bandas dos 80's citadas anteriormente, culminou numa geração perdida, jovens entediados, uma adolescência da época Reagan-Thatcher. Com muita distorção, o Nirvana, o maior fênomeno musical dos anos 90, mostrou ao mundo um rock triste e distorcido (Sonic Youth te lembra algo?), uma juventude entediada e sem perspectiva de futuro. E não só eles, Seattle mostrou inúmeras bandas excelentes: Mudhoney, Soundgarden, Alice in Chains, Pearl Jam, Screaming Trees, Tad, Melvins. São inúmeras, para conhecer mais recomendo o documentário "Hype!", que fala sobre todo esse movimento.


Também não só de grunge viveu o rock nos 90's. Nos próprios EUA houve o rock "alternativo" dos Smashing Pumpkins, ou todas as bandas lo-fi, como Pavement, Neutral Milk Hotel, Sebadoh, Guided By Voices ou até mesmo o Beck. No Reino Unido víamos também o shoegaze do My Bloody Valentine, do Ride e do Chapterhouse, bandas que faziam melodias vocais suaves e belas, misturadas com a chamada "wall of sound", guitarras entupidas de efeitos, muito reverb, muito delay e muita distorção. Os Stone Roses mostraram o começo do sucesso do britpop, imortalizado pelo Blur e pelo Oasis. Aqui no Brasil também vimos várias bandas influênciadas por todas essas bandas dos 80 e 90, que costumou-se chamar de "guitar bands". Pelvs, Cigarettes, Killing Chainsaw e brincando de deus (assim em minúsculas mesmo) são alguns desses nomes. Salvador, cidade em que moro/sofro desde que nasci, também teve um excelente baluarte de bandas dos anos 90 - é, tivemos nossa própria Blank Generation, 'sediada' no Calypso, uma casa de shows onde para você ir no banheiro tinha que atravessar o 'palco' com a banda tocando -, como a já citada brincando de deus, crac!, dois sapos e meio, cascadura (até hoje na ativa), e talvez a melhor de todas, The Dead Billies, a maior banda de Psychobilly que já existiu na face da Terra, junto com os Cramps. E não, não é exagero. Basta ouvir o seu primeiro disco, ou mesmo ver um vídeo no youtube, e você vai ter noção do tamanho da coisa. Infelizmente nunca tive oportunidade de ver show deles, afinal tenho apenas recém-completos 18 anos, mas é dito que acontecia de tudo nos shows dos Dead Billies. Tudo MESMO, incluindo strippers. Os 90 também mostraram o mangue-beat de Recife, a versão brasileira do grunge (não sonoramente, óbvio, mas pelo contexto histórico e social), com trabalhos geniais como os de Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A ou Eddie.


Os anos 2000 também trouxeram vários trabalhos interessantes pro rock: Arcade Fire, Radiohead consolidando ainda mais sua carreira iniciada nos 90's, Bright Eyes, ou mesmo o fenômeno Strokes. Nosso próprio país abriga uma infinidade de bandas e músicos que fazem rock de primeira (alguns iniciados nos anos 90), como Móveis Coloniais de Acaju, Wry, Macaco Bong, Mombojó, Autoramas, Cordel do Fogo Encantado, Ecos Falsos, Forgotten Boys, Retrofoguetes ou Ronei Jorge e os Ladrões de Bicicleta. Sempre rola em Salvador muitos shows de bandas muito boas que esta cidade abriga, mesmo que sejam desconhecidas. Tudo isso é prova mais-que-suficiente de que o rock não morreu, e está mais vivo que nunca. Enquanto houver jovens entediados em aulas que possam ouvir grandes bandas quando chegarem em casa (meu caso haha) o rock continuará vivo. Enquanto vários músicos, que assim como eu, enfrentam as dificuldades de realizar um show, que têm que tocar muitas vezes em condições precárias e fazer esforços grandes para ensaiar, o rock continuará vivo. Toda vez que carrego meu baixo e desco 143141414 degraus de escadas para ensaiar num buraco na Lapa, percebo que o rock está mais vivo que nunca.

E foda-se o "bom e velho rock and roll", e viva o "bom, velho, novo, eterno rock and roll". Fodam-se os caras que pararam de ouvir música em 1978. Para todos eles, todos os guardiões do "bom e velho rock and roll", donos da verdade musical absoluta, detentores do saudosismo medíocre, ou caras que se me virem com minha boina e camisa do Velvet Underground me chamarão de "moderninho" ou "emo", uma foto de uma das bandas que eles mais amam (eu também gosto muito, diga-se de passagem), uma das bandas mais rock and roll de todos os tempos:

É isso aí, vão se foder, anacrônicos :D


ordem das fotos do post: smiths, sonic youth, mudhoney, dead billies, móveis coloniais de acaju e ac/dc

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Especial John Carpenter no Cine Café

O Bernardo está escrevendo um especial sobre o John Carpenter no Blog Cine Café. Leiam.